Podemos, ainda hoje, considerar os animais simplesmente como semoventes?

Não é de hoje que ouvimos dizeres por aí acerca de os animais serem considerados
semoventes. Tendo em vista o Código Civil ser do ano de 2002, será que, na prática, é
isso mesmo o que ocorre hoje em dia?

Há controvérsias! E para elucidar parte desta discussão, este artigo tem por escopo tratar
um pouco da guarda compartilhada de animais, assunto que vem surgindo cada vez
mais vigorosamente com o passar dos últimos anos.

Uma das primeiras decisões acerca da guarda compartilhada de animais surgiu numa
Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro, tendo sido proferida decisão pelo Juiz
Dr. André Tredinnick, ao dirimir que um casal que passava por processo de divórcio
deveria revezar a posse dos 3 cães que possuíam, o que deveria ocorrer a cada 15 dias,
sem prejuízo de terem que dividir custos referentes à alimentação, remédios e transporte
dos animais.
Além desta decisão, houve um acórdão, no mesmo sentido, do Tribunal de Justiça de
São Paulo no um Agravo de Instrumento nº 2128999-78.2016.8.26.0000, de relatoria
da Desembargadora Christine Santini, de 16 de agosto de 2016 que estabeleceu a
posse e regime de convivência de um gato com os tutores divorciados, tendo sido
decidido que o animal ficasse com os dois tutores em finais de semanas alternados, visto
que o animal integrava tratamento psicológico da detentora da posse.

Note-se que o Brasil atualmente conta com a 4ª maior população de animais de
estimação do mundo, segundo dados da ABINPET – Associação Brasileira da Indústria
de Produtos de Animais de Estimação, razão pela qual faz-se mister que realmente seja
tomada uma posição diante de tais casos.

Com as crescentes demandas referentes à guarda de animais, a 7ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que as varas de Família são
competentes para solucionar questões relativas à guarda e à visita de animais de
estimação.

Diante da falta de legislação específica do caso em tela, a Jurisprudência tem reagido
frente às demandas de forma consonante, tendo usado a analogia para tratar a guarda
compartilhada dos animais, usando como paradigma a guarda dos filhos.
Ressalta-se que não somente a jurisprudência pode ser usada nos casos em tela, mas
também a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme o artigo 4º
da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

No entanto, frisa-se que a guarda compartilhada dos animais tem suas peculiaridades e
não se confunde com a guarda dos filhos, vejamos:

ANIMAIS

A divisão do tempo dispendido com os tutores não pode ser igualitária e os animais não
têm uma residência principal. O regime de tempo pode ser alternado de 15 dias.
Quanto às despesas com os animais, a divisão destas pode ser a regra. Divide-se os
gastos com transporte, alimentação, cuidados veterinários etc.

FILHOS

A divisão de tempo não é necessariamente igualitária, não se recomenda a alternância
que ocorre no caso dos animais. No caso de filhos, estes devem ter uma residência
principal com um dos genitores, o que é pautado no princípio do melhor interesse do
menor. Eles ali residem e estabelece-se a guarda e o regime de convivência com o outro
genitor em dias determinados da semana ou fins de semana alternados.

Quanto às despesas com os filhos, não necessariamente a divisão igualitária é a regra.
Essa divisão depende do caso concreto, podendo o pai ou a mãe, qualquer um dos dois,
pagar a devida pensão alimentícia.

Uma possível dúvida que pode surgir é: “e quanto aos animais de estimação adquiridos
antes do matrimônio?”. Quanto a estes, já se tem notícia de decisões favoráveis ao tutor
que adquiriu o animal antes do casamento, bem como ocorreu no caso do Buldogue
Francês Braddock, na 2ª Vara da Família do Rio de Janeiro, em decisão proferida
pela Juíza Gisele Silva Jardim, após o tutor, usando da analogia, ter apontado uma
decisão semelhante.

Apesar de não termos legislações específicas sobre a guarda compartilhada dos animais,
não podemos nos esquecer de que estes têm direitos e garantias salvaguardados pela
Constituição Federal, que, em seu art. 225, dispõe que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público proteger a fauna e a
flora, ou seja, os animais, semoventes ou não, estão amparados e protegidos pela lei.
Além disso, os animais também têm seus direitos amparados pela Lei 9.605/98, mais
conhecida como Lei de Crimes Ambientais, que os coloca a salvo em quaisquer casos
de maus tratos, mutilações ferimentos etc.

Por esse motivo, os animais merecem ser tratados com respeito, urbanidade e
principalmente com atenção, pois estes, por mais que sejam tidos por irracionais,
possuem laços de afetividade com os seus donos, não podendo ser simplesmente
ignorados. O bem-estar dos bichos também merece ser preservado durante o processo
de divórcio do casal, bem como ocorre com os filhos.
Nas palavras no Ministro do Luis Felipe Salomão, “não se pode brigar contra a realidade”.

Ou seja, os tempos são outros. Diante do crescimento da população animal
nos lares brasileiros, é essencial que se comece a enxergar por outro ângulo, pois o
Direito deve se adequar à sociedade para a mais fidedigna aplicação da justiça.

Fonte: SOUSA, Natália Novais de. Guarda compartilhada de animais. Revista Jus Navigandi,
ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5513, 5 ago. 2018. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/67157>. Acesso em: 6 ago. 2018.

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