Criminalização da homofobia, direito à união estável e ao casamento civil são algumas conquistas da comunidade

Desde 1969, quando um grupo de frequentadores de um bar homossexual nos Estados Unidos marchou pedindo o fim da violência contra a população LGBTQIA+, o dia 28 de junho foi adotado como Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Desde então, a comunidade vem lutando por mais direitos e, aos poucos, garantindo conquistas.

Em 2022, pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgou dados oficiais sobre a comunidade não heterossexual no país. Segundo o levantamento, 2,9 milhões de pessoas a partir de 18 anos se declaram lésbicas, gays ou bissexuais. O IBGE alerta, no entanto, que esse número pode estar subnotificado.

“Não há como ter políticas públicas efetivas qualificadas se a gente não tem dados sobre a população no Brasil. Então isso é fundamental”, avaliou o Especialista CNN em diversidade, Renan Quinalha.

“São indicadores que a gente tem necessidade não só populacionais, de densidade demográfica ou de perfil demográfico, mas indicadores econômicos, educacionais, sociais, de moradia, culturais, entre outros. É apenas com esses recortes que a gente consegue desenvolver política pública”, complementou a advogada especialista em Direito da Diversidade Marina Ganzarolli.

Apesar de avanços como esse, a comunidade continua sofrendo violências. Segundo um levantamento do “Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+” –que reúne organizações da sociedade civil–, pelo menos 316 pessoas LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Intersexuais e outros) morreram no Brasil por causa violentas em 2021.

Embora a Constituição Federal, ainda em seus princípios fundamentais, estabeleça o objetivo de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, o “Congresso tem se mostrado insensível” em aprovar leis que assegurem direitos à comunidade, segundo avaliação do doutor em Direito Constitucional e presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS), Paulo Iotti.

Para celebrar a data, confira alguns dos direitos garantidos à população LGBTQIA+ no Brasil:

Criminalização da homofobia

Segundo descreveu o Supremo Tribunal Federal (STF), entende-se por LGBTfobia qualquer conduta “homofóbica ou transfóbica, real ou suposta, que envolva aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido em sua dimensão social”.

A criminalização da violência motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero da vítima no Brasil foi aprovada em 2019. Desde então, a LGBTfobia é enquadrada como crime de racismo –nos moldes da Lei nº 7.716/89.

“Nós não tivemos o caminho da legislação, que é algo que solidifica mais os direitos, que dá uma maior amplitude para os direitos”, explica Quinalha.

Conforme a decisão do Supremo, a pena prevista para o crime é de:

  • Um a três anos de prisão, além de multa;
  • No caso de divulgação de ato LGBTfóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;

União estável

Em seu Artigo 226, a Constituição estabelece a união estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Nenhum de seus incisos, porém, cita a possibilidade de união entre casais homoafetivos.

Foi em uma decisão de 2011 que os ministros do Supremo, de forma unânime, reconheceram a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. A partir de então, casais homossexuais passaram a ter garantidos os mesmos direitos previstos na Lei de União Estável. De acordo com essa, a entidade familiar se constitui pela “convivência duradoura, pública e contínua”.

“A união estável é chamada de ‘casamento sem papel passado’. Você tem uma comunhão plena de vida com aquela pessoa”, explicou o presidente do GADvS.

Casamento

O mesmo trecho da Constituição que dispõe sobre a união estável trata do casamento civil, sem mencionar se este seria permitido entre pessoas do mesmo sexo. Após a decisão do STF sobre a união estável, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu, em 2013, que nenhum cartório do país poderia recusar a celebração de casamentos homoafetivos.

Na época da resolução, o conselheiro Guilherme Calmon explicou que, até então, “alguns estados reconheciam, outros não. Como explicar essa disparidade de tratamento? A Resolução consolida e unifica essa interpretação de forma nacional e sem possibilidade de recursos”.

Frente ao descumprimento da determinação, o casal interessado pode entrar na Justiça para ter o direito assegurado, podendo, inclusive, ser aberto um processo administrativo “contra a autoridade que se negar a celebrar ou converter a união estável homoafetiva em casamento”.

Segundo Iotti, apesar de “não haver diferença de direito entre a união estável e o casamento civil, o casamento dá mais segurança jurídica”. Isso porque, com o matrimônio, o cartório emite uma certidão de casamento que só será invalidada se o casal decidir pela separação.

De acordo com dados levantados pelo Colégio Notarial, responsável pelos cartórios de notas do país, a pedido da CNN, 2.188 uniões homoafetivas foram registradas no Brasil em 2021. O número representa uma alta de 2% em relação ao ano anterior.

Adoção

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define que os requisitos para a adoção no Brasil são:

  • Ter mais de 18 anos
  • Não ser ascendente ou irmão do adotando
  • Ser casado civilmente ou manter união estável, no caso de adoção conjunta
  • Ter, ao menos, 16 anos a mais que o adotando

Com base em tais condições, não há impeditivo legal para adoção por casais do mesmo gênero, desde que se regulamentou a união estável e o casamento civil. Antes do marco de 2011, a questão era tratada com base na jurisprudência de casais que haviam conseguido o direito.

Até hoje, porém, não há norma expressa sobre a adoção por casais homoafetivos.

Doação de sangue

Em 2020, o STF declarou inconstitucional as portarias do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que orientavam a restrição de doação de sangue para homens que mantiveram relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses.

Dois meses depois, a Anvisa revogou a determinação que restringia a doação. Em nota, a agência informou que “após a decisão do STF e mesmo antes de qualquer comunicação oficial, o órgão iniciou imediatamente a articulação de ações para promover o cumprimento da medida”.

Nome social

Em 2016, a então presidente Dilma Rousseff (PT) decretou que os órgãos e entidades da administração pública federal deveriam adotar o uso do nome social (“designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida”, segundo o decreto.

“Por exemplo, o cartão do Sistema Único de Saúde [SUS], questões relativas à Receita Federal, todas aquelas autarquias relacionadas ao governo federal passam a, obrigatoriamente, ter que respeitar o nome social conforme a identidade de gênero do cidadão ou da cidadã”, esclarece Ganzarolli.

Ainda segundo a advogada, foi somente dois anos após o decreto nº 8.727 que o STF reconheceu o direito “das pessoas trans realizarem a retificação de prenome e de gênero — na verdade, na certidão está escrito sexo, mas se trata de gênero — diretamente em cartório, sem a necessidade de comprovação de hormonioterapia ou de cirurgia transexualizadora”.

Importância das garantias constitucionais

Apesar de as decisões do STF e de outros órgãos competentes terem garantido direitos à comunidade LGBTQIA+, os tópicos não foram inseridos na Constituição.

À CNN, Paulo Iotti reforçou a importância de se transformar tais direitos em lei, por meio de Emendas Constitucionais, para segurança jurídica –dado que, a mudança da composição da Suprema Corte, por exemplo, poderia reverter as medidas, explicou o advogado.

“Nós temos projetos de lei importantes que estão paralisados atualmente no Congresso Nacional por conta de uma bancada fundamentalista religiosa que barra qualquer tipo de inciativa de proteção legal dessa comunidade. Então nós temos ou políticas públicas, que são aquelas instituídas pelos poderes executivos, ou nós temos os direitos reconhecidos por decisões do Supremo Tribunal Federal”, explica o Quinalha.

Um dos projetos que tramita no Congresso e que propõe consolidar diversos direitos à população LGBTQIA+, como direitos à Convivência Familiar, à Parentalidade e à Identidade de Gênero, é o PLS nº 134/2018, que institui o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero.

Com autoria no Senado, o projeto está paralisado desde 2019, quando foi distribuído ao senador Paulo Rocha (PT-PA) para emissão do relatório.

Além dele, há quase sete anos está pendente na Suprema Corte a votação de um recurso que analisa o direito ao uso de banheiro público em concordância com o gênero com o qual uma pessoa transexual se identifica.

O caso foi aberto após uma mulher transgênero ser expulsa de um banheiro feminino em um shopping de Santa Catarina.

Em 2015, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram favoravelmente à condenação do estabelecimento, determinada pelo Tribunal de Justiça catarinense. O julgamento, porém, foi paralisado após um pedido de vista do ministro Luiz Fux.

Fonte: CNN Brasil

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