A orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade humana, diz o texto introdutório dos Princípios de Yogyakarta, documento reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes para a comunidade LGBTQIA+. Em todo o mundo, 28 de junho marca a luta dessas pessoas por esse princípio e por acesso a direitos, luta que é travada, diariamente, nas mais diversas esferas da sociedade e da vida, entre elas o trabalho.
Transição
Caio Maia, homem trans, conta que, por medo de transfobia, adiou o processo de transição de gênero por quase uma década. Segundo ele, encarar o mercado de trabalho depois da mudança era algo que assustava. “Comecei a transição durante o doutorado, sem perspectivas do que fazer depois”, conta. “A ideia de voltar para o mercado, procurar emprego durante esse processo era uma preocupação. Eu me perguntava se isso limitaria os lugares em que iria trabalhar”.
Nem sempre as organizações oferecem ambientes seguros para que pessoas LGBTQIA+ expressem sua orientação sexual e sua identidade de gênero. A Pesquisa Mais Diversidade 2021, realizada junto a mais de 2 mil profissionais no Brasil pela Consultoria Mais Diversidade, constatou que o trabalho é tão importante quanto ambientes familiares para essas pessoas falarem sobre sua sexualidade. No entanto, 20% não tratam desse tema nos espaços profissionais. Outra pesquisa realizada pela Coqual (consultoria global que pesquisa inclusão de minorias nas empresas) junto a empresas multinacionais identificou que, no Brasil, 61% dos profissionais LGBTQIA+ não assumem sua orientação sexual ou sua identidade de gênero dentro das organizações.
Lei x realidade
No país, a Lei 9.029/1995, em seu artigo 1º, assegura o acesso ao emprego e a sua manutenção, sem qualquer discriminação “por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”. O texto reafirma preceitos constitucionais que asseguram a cidadãos e cidadãs o direito à individualidade e à liberdade de expressão, livres de qualquer preconceito (Constituição Federal, artigo 3º, inciso IV), entre outros.
Na prática, contudo, as barreiras são muitas: culturas e ambientes organizacionais que não promovem a inclusão, preconceito e discriminação. As consequências podem ser diversas, e seus impactos vão desde o processo de contratação até o momento da dispensa, que, por vezes, é motivada por traços característicos relacionados à sexualidade e à identidade de gênero.
Papel da Justiça do Trabalho
Nesse cenário, cresce a relevância do papel da Justiça do Trabalho para a promoção de ambientes mais seguros e igualitários. “É nossa missão ampliar o debate em busca da conscientização social a respeito da diversidade, da inclusão e da pluralidade”, diz o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Emmanoel Pereira. “Vamos discutir e apontar soluções para que sigamos derrubando barreiras, dificuldades e riscos enfrentados cotidianamente pela população LGBTQIA+. A busca da Justiça Trabalhista pela consolidação de ambientes de trabalho mais dignos, justos e inclusivos é incansável e assim seguirá”, complementa.
“A identidade de gênero e a sexualidade são características inerentes à personalidade humana e, como tal, devem ser respeitadas em qualquer ambiente, inclusive o local de trabalho, sob pena de inadmissível violação de direitos que compõem o patrimônio imaterial das pessoas”, explica o juiz do trabalho André Machado Cavalcanti, membro do comitê gestor nacional do Programa Trabalho Seguro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e membro do Comitê da Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT da 13ª Região (PB). Ele ressalta a importância da Justiça do Trabalho na promoção do diálogo e da conscientização, bem como na atuação institucional por políticas públicas capazes de estimular o acolhimento das diferenças.
Iluminação
Neste ano, o edifício-sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi iluminado com luzes coloridas, em alusão à bandeira que simboliza o movimento LGBTQIA+, demonstrando a relevância da pauta. A decoração reafirma o compromisso da Justiça trabalhista com a promoção de ambientes igualitários e inclusivos e busca chamar a atenção da sociedade para a necessidade de combater o preconceito e a discriminação.
Educação corporativa para a diversidade
A Justiça Trabalhista tem sido acionada por pessoas LGBTQIA+ que pleiteiam a reparação de danos sofridos em razão da sexualidade ou da expressão de identidade de gênero. Em um dos casos que chegou ao TST, por exemplo, a Segunda Turma condenou uma rede de supermercados a pagar R$ 40 mil a um encarregado vítima de conduta homofóbica de colegas e superiores hierárquicos. Em outro, a Sexta Turma determinou a uma autarquia federal o pagamento de R$ 30 mil de indenização a uma trabalhadora transexual que relatou não ter sido autorizada a ser tratada pelo nome social ou usar o banheiro feminino no trabalho.
Para a advogada Márcia Rocha, fundadora e coordenadora do projeto TransEmpregos, voltado à empregabilidade de pessoas trans (com cadastro de currículos e divulgação de vagas por empresas parceiras), o Poder Judiciário tem sido fundamental para dirimir dificuldades e garantir direitos às pessoas LGBTQIA. Na avaliação dela, a Justiça Trabalhista também deve contribuir para “educar o meio corporativo para a diversidade e a inclusão de todas as pessoas”, além de “coibir a discriminação, o preconceito e violências” contra essa parcela da população.
Práticas inclusivas
Em agosto de 2020, Caio Maia foi contratado como celetista em um portal de notícias que tem ações para promoção da diversidade, onde trabalha como editor de redes sociais. “Eu consigo estar atento e ver pontos em que a empresa age para promover tratamento adequado, segurança e evitar problemas”. Entre elas, está a garantia de uso do nome social e o acesso a banheiros unissex. “Não preciso decidir onde entrar em um ambiente generificado, marcado”, conta.
Ganha-ganha
Conforme o presidente executivo do Instituto +Diversidade, sócio e COO (Chief Operating Officer) da Consultoria Mais Diversidade, João Torres, a promoção de ambientes profissionais seguros para a expressão da orientação sexual e da identidade de gênero beneficia, também, as empresas. “Ambientes seguros psicologicamente para as pessoas LGBTQIA+ permitem que elas se levem por inteiro ao trabalho e não tenham medo de serem julgadas ou de trazerem suas ideias e perspectivas, culminando em uma entrega muito maior”, afirma. “Ambientes inclusivos dão sempre resultados ganha-ganha, onde ganham as pessoas, as empresas e a sociedade”.
E a boa notícia é que cada vez mais empresas adotam políticas para promoção da diversidade em ambientes corporativos. Somente a TransEmpregos registrou, em 2021, um volume total de 1.434 empresas parceiras, número 200% maior do que o do ano anterior. Em média, são realizadas 100 contratações por mês. “Preconceito é ignorância. As empresas precisam ter a vontade de ter diversidade e fazer um trabalho interno de conscientização. Isso é o trabalho para promover a inclusão de forma geral, de toda a diversidade humana”, diz a coordenadora da TransEmpregos.
Liberdade de expressão e garantia de direitos
Para o juiz do trabalho André Cavalcanti, além de adotarem uma política antidiscriminação, “promovendo um ambiente de trabalho harmônico e de respeito às liberdades individuais”, também é importante que as empresas disponibilizem meios para denunciar casos de assédio sofridos em razão de orientação sexual ou identidade de gênero. O objetivo, explica ele, é “desestimular essa afronta à liberdade de expressão, que é tão cara a qualquer indivíduo”.
Segundo o magistrado, todos têm o direito de expressar o seu gênero da forma que melhor lhes convier, desde que respeitados os direitos de terceiros, a ordem jurídica vigente e os regulamentos empresariais. “Não é permitido aos empregadores determinar, por exemplo, de que forma os seus empregados devem se vestir e comunicar, exceto quando houver característica inerente à função desempenhada que demande alguma exigência específica nesse sentido”, destaca. O empregador também não deve dispensar tratamento discriminatório ou retaliar uma pessoa em virtude da sua identidade de gênero ou da sua sexualidade.
O juiz André Cavalcanti destaca que toda e qualquer conduta que atente contra a intimidade e a liberdade de expressão de uma pessoa LGBTQIA+ é passível de reparação e sancionamento pelas vias legais, segundo dispõem os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil Brasileiro.
O magistrado orienta que o primeiro passo, caso alguém seja vítima de assédio em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, é comunicar o ocorrido a um órgão interno da organização, “inclusive para fins de responsabilização futura, caso nenhuma providência seja tomada”.
Também há canais externos, como o Disque 100 (canal de denúncias de violação de direitos humanos), os sindicatos, o órgão de fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência, além das autoridades policiais, para fins de responsabilização criminal.
Fonte: TST.
0 comentário