O fato de um casal acolher uma criança sem respeitar as regras do Cadastro Nacional de Adoção, por si só, não basta para levar ao acolhimento institucional ou temporário, pois isso não é o que, necessariamente, atende ao melhor interesse dela.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu, de ofício, a ordem em Habeas Corpus para permitir que um bebê permaneça com o casal ao qual a mãe confiou a guarda, por se ver impossibilitada de exercer os cuidados.
A criança não tem pai conhecido. Como a genitora não tem parentes próximos, entregou o menor para o casal de confiança, de forma direta e espontânea. Os guardiões, por sua vez, ajuizaram ação de regulamentação de guarda, para oficializar o vínculo.
Ao tomar conhecimento da situação, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ação de afastamento do convício familiar, por entender que o ato da mãe e o acolhimento do casal burlaram a legislação brasileira, que prevê uma fila de adoção.
Relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que a abordagem do STJ a casos assim parte da premissa de que deve-se observar o melhor interesse e a proteção integral do menor acolhido, o que leva à primazia do acolhimento familiar.
Se, por um lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz no artigo 50 as regras para formação de cadastro de adotantes, com ordem cronológica de habilitação de interessados, por outro o artigo 197-E da mesma lei prevê sua superação “quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando”.
Segundo o ministro Sanseverino, embora a função do cadastro de adotantes seja acelerar o processo em benefício do menor, ele não pode se tornar um fim em si mesmo, especialmente quando a realidade do caso mostrar que o casal não-inscrito está em sintonia de objetivos com o melhor interesse da criança.
No caso concreto, os guardiões escolhidos pela mãe têm cuidado de maneira suficiente e adequada da criança, sem qualquer indício de riscos. “Verifica-se, portanto, que a suposta guarda irregular do infante não lhe trouxe prejuízo, mas, ao contrário, atendeu aos seus superiores interesses”, disse o relator.
Em sua opinião, não se mostra prudente tirar a criança de um lar no qual está estabelecendo vínculos afetivos com guardiões aptos para, sem qualquer perigo de violência física ou psicológica, envia-la para uma instituição de acolhimento ou para outra família temporária.
“Neste momento, portanto, apesar da aparência da chamada ‘adoção à brasileira’, é preferível e recomendada a manutenção da criança em um lar já estabelecido, com uma família que a deseja como membro”, concluiu. A votação na 3ª Turma foi unânime.
HC 735.525
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Conjur
0 comentário