Quando há convivência pública, contínua e duradoura, relação pode ser caracterizada ‘entidade familiar’, gerando direitos

Viver junto nunca foi tão popular.  Eis que casamento, tal como praticado pelos nossos avós, foi substituído pelo “vamos morar juntos” e regido pelo “vamos ver se funciona”.

Há quem acredite, como define o escritor Zygmunt Bauman, que o amor é uma “hipoteca baseada em um futuro incerto e inescrutável”. [1]Assim o amor seria, por essência, isento de garantias. No mundo atual, onde nos oferecem produtos e serviços para “test drive” e nos prometem a devolução do nosso investimento se não estivermos satisfeitos, é natural que sejamos mais criteriosos quando o assunto é escolher aquele alguém que vem, sem período de testes, fazer parte de nossas vidas.

Talvez seja essa exigência com relação aos nossos parceiros que tem feito o número de divórcios desabar[2] ou talvez seja o fato de que muitos de nós chegamos à maioridade durante o boom dos divórcios nos anos 1980/90, e estamos determinados a agir de forma diferente da dos nossos pais.

Seja qual for o motivo, tenho certeza de que você conhece pessoas que (i) moram juntos, mas querem futuramente construir uma família e (ii) moram juntos, mas são apenas namorados. Esses casais podem ter muito em comum: viajam, postam diversas fotos nas redes sociais, trocam apelidos carinhosos, saem para jantar etc., mas há algo essencial que, pelo menos para o direito, os diferencia: eles querem (ou não) construir família.

Segundo a lei brasileira, mais especificamente o artigo 1723 do Código Civil, é reconhecida como entidade familiar a “união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

É nesse cenário que surge o chamado “Contrato de Namoro” que, por sua vez, nada mais é do que um documento em que as partes concordam que, ainda que tenham um relacionamento afetivo, não possuem o objetivo de construir uma família. Assim, consequentemente, estariam afastando a constituição de uma união estável.

Ainda que se possa defender que as partes possuem todo o direito de se resguardarem do possível reconhecimento “indesejado” de uma união estável, o que chama atenção é haver a necessidade de se formalizar, por meio de um documento legal, que existe apenas um simples namoro, seja pela judicialização excessiva dos conflitos existentes nessa seara, pela constante intervenção estatal na esfera particular ou seja porque a mídia constantemente destaca esse tipo de “contrato” (muitas vezes até mesmo com conotações que reforçam certos estereótipos de gênero que não mais fazem sentido em nossa sociedade como: “Homens precavidos estão assinando contratos de não compromisso com namorada”) [3] [4] [5].

Como bem escreveu Marília Pedroso Xavier: “É muito grave o fato de o instituto da união estável ter ganhado tentáculos tão extensos e numerosos a ponto de levar o ordenamento jurídico a promover a criação de instrumentos para evitar sua configuração”. [6]

Não se defende, por meio do presente artigo, por fim à união estável ou condenar a existência dos Contratos de Namoro, mas sim destacar o fato de que, atualmente, ainda que muitos tenham abertamente optado por um simples namoro, exista uma suposta “necessidade” de se realizar uma declaração de uma situação que não precisaria ser declarada: um simples namoro, sem a intenção de constituir família.

Em respeito à liberdade dos indivíduos, em respeito sua escolha sobre forma de relacionamento que irão adotar, só poderia o Estado reconhecer a união estável em situações em que ela esteja palpitante na prova dos autos, nunca em situações dúbias, contraditórias, em que a prova se mostre dividida, porque assim estaria “casando de ofício quem não o fez motu proprio[7]”.

Deve ser permitido que, aqueles pretendem namorar sem criar direitos e deveres, possam se relacionar sem medo de serem lesados quando/se o relacionamento chegar ao fim. Caso contrário, as relações não serão mais amorosas, mas sim negociais.

Fonte: https://www.jota.info/

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